A democracia esteve no centro dos debates da XIX Semana de História da UNIJALES, realizada, pela primeira vez, por meio de uma plataforma digital. O tema tem gerado acaloradas discussões em meio aos sérios riscos expressos em movimentos de cunho autoritário que ignorando as recomendações de isolamento social ocuparam espaços públicos para pedir intervenção militar, fechamento do Congresso e do Supremo Tribunal Federal. Tais manifestações, para os estudantes de história, já seriam um convite para um debate sério e comprometido com o rigor acadêmico-científico. No entanto, essa angústia, maximizada pelo enfrentamento da maior pandemia dos últimos 100 anos, teve o acréscimo da explosão de protestos contra o racismo em todo o mundo, a partir do assassinato de George Floyd nos Estados Unidos.
Portanto, diante das incertezas trazidas por um cenário nacional e mundial cada vez mais preocupante no que tange aos rumos do Estado democrático de direito, fazer uma discussão com o objetivo de analisar o contexto atual é, antes de tudo, a realização de um grande esforço para lançar alguma luz sobre um horizonte sombrio e dramático. Obviamente, que consciente das limitações em vista da extensão e da complexidade do tema, não há como explorar plenamente a vastidão de visões, pontos de vista e análises que a democracia desperta nesse momento da História. Mas as reações e os caminhos por onde os poderes políticos se movimentaram, em especial no Brasil e Estados Unidos, durante um período em que boa parte da população se viu impotente, assustada e buscando se proteger de um vírus que colocou o mundo de quarentena, torna imperativo o debate crítico por parte daqueles que defendem a pluralidade de ideias e o respeito as diferenças.
Desse modo, para entender os caminhos da democracia, enquanto espaço da diversidade, da alternância de poder e de respeito ao contraditório é imprescindível compreender como se construíram seus pilares de sustentação, bem como que grupos sociais estabelecem suas relações de poder. Não por acaso, começamos e terminamos o evento debatendo a questão do negro. A democracia é atravessada pela ideia de representatividade, cabendo perguntar onde está a representatividade de um povo que sustentou a atividade econômica às custas da humilhação e da desumanização do sistema escravista e que, em muitas regiões Brasil, compõe mais da metade da população. Onde está a história e a memória dos 5 milhões de africanos que foram obrigados a deixarem suas famílias, suas vidas para forjarem sobre a força do interesse mercantil um novo país? Que lugar esse país oferece hoje a esses heróis africanos? Ao contrário do propagado mito da democracia racial o que temos é uma situação de exclusão e de violência contra o negro. Mesmo quando analisada numa perspectiva pós-colonial, as condições não são favoráveis, tendemos a não enxergar o racismo, apesar das inúmeras vítimas e de obstáculos impostos aos negros. Ao longo dos séculos foram construídas narrativas e memórias com vista a justificar a supremacia branca. Memórias guardadas por monumentos que silenciam o papel do negro e de outras etnias, que glorificam as atrocidades da hegemonia branca criaram o chamado racismo estrutural, que agora está sob ataque da onda de protestos despertadas após o assassinato de George Floyd nos Estados Unidos.
De outro lado, também se faz urgente analisar qual o papel da política republicana brasileira e, em especial, a organização político partidária. Que papel o partido político ocupa atualmente na democracia brasileira? Por que o Brasil tem tantos partidos? Qual a relação entre partidos e ideologias? Como, apesar de existir mais 30 partidos no Brasil, ocorrem as polarizações políticas? Que impacto o advento da internet e a expansão das redes sociais tiveram no comportamento do eleitor? Vivemos um período que muitos chamam de pós-verdade, onde a desinformação e a notícia falsa se confundem com a realidade, resultando em negacionismos que colocam em risco não só da democracia, mas também da vida humana, como é caso das fake News sobre o Novo Coronavírus. Assistimos acentuar extremismos, em especial, de um neofascismo constantemente ameaçando o respeito as diferenças. São questões que avançam sobre o século XXI e apagam a luz da equidade social, mas que precisam ser enfrentadas e debatidas urgentemente por quem sabe o significado e o perigo para humanidade de um regime totalitário.
Nesse sentido, predominou durante o evento, a ideia de que apesar da democracia conviver com suas imperfeições e até mesmo distorções, a experiencia histórica mostra que o caminho é a busca pelo seu aperfeiçoamento, sendo, ainda, a melhor alternativa para uma sociedade que preza pela liberdade. Os regimes opostos à democracia, sejam de direita ou de esquerda, caracterizam-se pela imposição da vontade do seu governante, fazendo uso da violência extrema para aniquilar liberdades individuais. O equilíbrio entre os poderes preconizado por Montesquieu no século XVIII e, no Brasil, garantido pela Constituição de 1988, precisa ser defendido contra toda e qualquer onda neofascista que venha surgir. O desafio da democracia brasileira agora é sobreviver à onda neofascista, tornar-se mais inclusiva, ampliar o espaço para o debate e produzir oportunidades para que todas as etnias convivam com respeito e igualdade de direitos.